quarta-feira, 18 de agosto de 2010

Cacos de Vidro

Olhava no chão o copo quebrado. O sinal da última discussão. O motivo era sempre o mesmo: ciúme. Por mais que fizesse, nunca agradava. Por mais que tentasse evitar a confusão, esta sempre o achava. Tentava, inutilmente, entender como entrara num relacionamento assim. Tentava imaginar como se deixara envolver tão facilmente. Como caíra naquela lábia. Ele que sempre se disse o ajuizado do grupo. Ele que sempre se mostrou mais centrado, que procurava alertar os amigos sobre relacionamentos duvidosos... Por ironia do destino via-se, naquele momento, afundado num relacionamento no qual desejava nunca ter entrado. Sabia que quanto mais o tempo passava e mais tentava se livrar daquele ser pegajoso, pior a situação ficava.
Enquanto encarava, descrente, os estilhaços de vidro espalhados pela cozinha, refletia sobre como poderia colocar um ponto final naquele relacionamento que já havia durado tempo demais. Virava os olhos por todos os cantos procurando uma solução que pudesse, minimamente, agradar as duas partes. Depois de muito ranger os dentes e coçar a cabeça, muniu-se com a melhor ideia que tivera e foi para o quarto, tentar dialogar.
Girou a maçaneta devagar, suavemente. Mal terminou de abrir a porta e veio certeiro em sua direção. Atravessando seu pulmão direito, o primeiro tiro varou as suas costas e encontrou a parede atrás do garoto. O segundo estouro passou de raspão por cima de seu ombro. Com os olhos arregalados, encarando a fúria daquele que um dia pensou que poderia amar, balançava a cabeça em sinal de negação, procurando evitar que as coisas ficassem ainda piores. Apesar de querer gritar, estava afônico.
Foi então que o assassino puxou o gatilho novamente. O terceiro tiro perfurou seu coração. O garoto caiu ajoelhado em frente a porta. Duas lágrimas rolaram de seus olhos. Já sem vida, tombou para frente batendo com a cabeça na cama tão forte que derrubou o abajur. Este caiu no chão e espatifou-se. Mais cacos de vidro...

sábado, 7 de agosto de 2010

Hey, dad.

Hey, dad, look at me. Think back and talk to me... Vamos conversar um pouco sobre os últimos dezenove anos?
Minhas memórias sobre você são poucas e não há nenhuma sequer onde você me dá um beijo de boa noite. Era assim que você gostaria que eu me lembrasse de você? Definitivamente não era assim que eu gostaria de me lembrar de você.
Sabia que eu sempre quis te imaginar como um herói? Mas no final você sempre, de alguma forma, se transformava no vilão da minha história. Por mais que eu tentasse não encontrava um final onde visse você se dando bem na minha imaginação.
Sabia que por sua culpa eu tive que escutar durante toda minha vida que era o “homem da casa”? Mesmo, por um longo tempo, não tendo maturidade nem pra dormir sozinho, já era obrigado a carregar o peso da responsabilidade de cuidar da minha mãe... e de mim mesmo. Você acha que eu vou esquecer disso?
Sabia que enquanto todos os meus amigos de classe faziam, felizes, presentes pros pais no “Dia dos Pais”, eu tinha vontade de jogar o seu presente na lareira? Pra te mostrar onde eu achava que você merecia estar, no meio da dor. A mesma dor que você me fez passar todos os dias dos pais que dei presentes materiais pra você, mas que não tinham sentimento algum. Porque você nunca me ensinou o que é sentimento.
Você sabia que eu te defendia todas as vezes que minha avó te xingava? Essa defesa, na verdade, era pra tentar negar na minha mente a única imagem que conseguia fazer de você: aquele que me abandonou.
Você sabia que eu senti falta de crescer com alguém do meu lado pra conversar sobre assuntos de homem? Sabia que eu tive dúvidas que não quis falar com a mamãe e fui aprender, o que deveria ter aprendido com você, através dos amigos de escola?
Sabia que eu rezava por você à noite? E, ao contrário de todas as crianças normais, eu pedia que você tivesse juízo, ao invés de pedir que você me protegesse e nunca me abandonasse -coisa que você já tinha feito.
Sabia que, por muitas vezes, te chamar de “pai” parece um insulto à palavra? E isso me dói tanto... Não conseguir ver em você o “pai” que eu gostaria de ter. Procurar em outros a figura paterna em quem me espelhar nunca foi fácil; e aceitar que eu nunca teria esta figura realmente presente na minha vida -principalmente no tempo que eu precisei- me fez chorar várias vezes.
Agora eu tenho dezenove anos. Já estou na faculdade e daqui cinco anos me formarei. Eu sobrevivi, eu consegui superar a falta que você me fez. E agora, quando olho pra você, a única coisa que sinto é pena. Porque foi nisso que você se transformou. Um cidadão digno de pena.
Obrigado por nada.