domingo, 25 de julho de 2010

fones de ouvido, lágrimas e chuva...

Com o fone de ouvido envolto ao pescoço percorria as ruas em silêncio. O olhar desconsolado denunciava que nem ele mesmo sabia para onde estava indo. Suas pernas se movimentavam quase que espontaneamente arrastando todo o seu corpo pela direção que elas queriam.
Andando pelo muro podia ver as estátuas de anjos lá dentro. Ao ficar frente a frente com o portão de ferro hesitou em entrar. Talvez fosse melhor permanecer na dúvida e fingir que tudo continuaria como sempre foi. Mesmo conflituoso dentro de si, adentrou. Com o local anotado em pedaço amassado de papel procurou até encontrar o que era melhor não ter encontrado.
Ajoelhou-se frente ao túmulo e tirou o fone do pescoço. O nome na lápide confirmava a notícia que ele havia desejado ser mentira. As primeiras gotas de chuva começavam a cair, assim como as lágrimas em seus olhos. Cabisbaixo, gritou. Um grito que vinha de dentro do seu coração. Agora vazio. Sem o melhor amigo. Inundou todo o cemitério com o grito que ecoava ao longe. Desejava ele poder, com o som, acordar do sono profundo o companheiro. Em vão.
Soluçando, com o rosto coberto por lágrimas, lançou as mãos à grama recém-colocada. Agarrou com força. Queria, com aquele gesto, aproximar-se do amigo. Da única pessoa na qual ele confiava. Aquele para o qual o cargo “melhor amigo” fora criado.
A chuva começou a cair intensamente. A água lavava seu corpo, mas não sua alma. A tristeza de perdê-lo. A dor de nunca mais ter seu ombro amigo. A raiva de si mesmo por não ter se despedido... e pior, por ter brigado com ele dois dias antes do acidente. Por ele ter partido sem o dar a chance de pedir perdão.
As lágrimas se confundiam com a chuva. Talvez, na verdade, a chuva fossem as suas lágrimas. Lá de cima alguém estava ajudando-o a libertar-se do sofrimento mandando aquela água para que ele exprimisse todo o sentimento dentro de si.
Ainda curvado sobre a grama, diante da lápide, sussurrou um pedido de desculpas, jogado pra fora por seu coração apertado. Naquele momento sentiu-se abraçado. Sabia que ele estava ali. Que era ele quem o estava abraçando. Reconhecia o abraço do melhor amigo. Pela primeira vez desde recebida a notícia de sua morte, ele esboçou um sorriso. Sabia que seu amigo também havia partido chateado com a discussão que tiveram e sabia que haviam se reconciliado ali.
A chuva ainda caia sem sinal de que pararia tão cedo. Ficou ali por mais um tempo. Sentindo o abraço que nunca mais sentiria pessoalmente. Mas, de um modo inexplicável, carregaria para sempre consigo. E sabia que estava mais seguro com aquele abraço. Sabia que seu amigo olhava por ele lá de cima esperando o dia do reencontro. Se abraçarão novamente.
Talvez a chuva, na verdade, fossem as lágrimas do seu amigo. Ao tocar o seu rosto, ele demonstrava sua tristeza e sua saudade, lá de onde estava. Talvez o encontro da lágrima com a gota da chuva fosse o sinal de que eles estariam juntos apesar da distância. Daquele dia em diante sempre que chovia o garoto deixava se molhar. Ainda que fosse uma única gota. Para sentir o toque do amigo, que ele jamais esqueceria.

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